quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Apócrifos, das cartas não enviadas: O Pomo de Adão

Porque quem gosta de maçã
irá gostar de todas, porque todas são iguais.



RR,


Humanos não operam milagres. Se o fizessem, provavelmente o fariam só para si e já não haveria nenhuma santidade nisso. Estou aprendendo a não esperar de todos mais do que eles podem fazer por si próprios. Estou aprendendo, principalmente, a não esperar. Nem o mais vil dos sentimentos, simplesmente não perca seu tempo.
Não espere que o escutem. Se o escutarem, não espere que entendam. Se entenderem, não espere que façam algo a respeito. Se o fizerem: não espere que seja o melhor a se fazer.
Não espere, ainda, que falem. Se falarem, não espere que seja verdade. Se for, não espere que seja a sua. Cuide da sua vida, homem!
A lei de Deus nada diz sobre entender ao próximo. Ame-o e só. Ame-o a distância. Ame-o sem escutá-lo. Ame-o sem interessar-se por ele ou,principalmente, por sua mulher. Ame-o sem conhecê-lo, de preferência.
Os seres humanos são criaturas naturalmente solitárias. Isso pode ser mais engraçado do que pensas: o barro de que fomos feitos era só um e na arca lá se foram um urso e uma ursa, um pato e uma pata, um galo e uma galinha e um homem e uma costela. Um homem e uma costela!
Para além de gêneros, meu bem, imagine que tragicômico um homem cuja sina é viver para sempre incompleto, buscando no outro um pedaço de si. Antes só e completo? E a quem ele culparia pela maçã proibida? O homem jamais engoliu a inocência perdida. Hoje crescem em sua garganta grande bosques de macieiras, por onde se perdem as palavras.

Então, não espere por um milagre. Todos nós, pedaços de homens, procuramos o corpo primeiro.
Não acredite em milagres.


E não acredite em mim, também, que tenho mais esperança que você e tento fingir desilusões.

terça-feira, 7 de outubro de 2008


Le Message , de ISABELLE PLANTÉ


"O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade… sei lá de quê!"


Florbela Espanca

A Torre de Babel, por Pieter Brueghel

Eu sou um aquário. Todos somos aquários. Os peixes saltam para fora de mim e debatem-se no chão. Através de suas águas turvas os outros me dizem: Oh, que balé maravilhoso!
Mas para mim não há balé: é só mais um peixe que se debate, asfixia e morre, sem cumprir o papel que lhe foi destinado. Sem dizer o que eu exigi que dissesse. Eles, peixes-palavras, não me obedecem. Mas os amo e não quero que morram. Então os deixo aqui dentro, debatendo-se, reproduzindo-se e me dando a constante sensação de que há algo preso em minha garganta.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Apócrifos, das cartas não enviadas: São e Salvo.

rhb,


"Drying up in conversation,
You will be the one who cannot talk
All your insides fall to pieces,
You just sit there wishing you could still make love
They're the ones who'll hate you
When you think you've got the world all sussed out
They're the ones who'll spit at you,
You will be the one screaming out."


Eu te perguntaria qual o seu medo se já não soubesse do seu medo de dar respostas. O que aconteceu? Você cresceu, meu bem. Você cresceu. Já não cabe nos esconderijos de antes. Pois se antes atrás da porta era o lugar mais seguro para se estar, hoje já esperamos atrás de cada porta encontrar um homem e atrás de cada homem encontrar um medo, enclausurado no entrecortinas.

Toda casa é guardada por um cão ou um desejo. Toda casa é impenetrável. Toda casa tem seus segredos, seus quartos proibidos. Mas você possui todas as chaves.Qual o quarto que você nunca ousou abrir?Nem mesmo quando era criança, nem mesmo quando aquele era o melhor lugar para esconder-se pois todos o temiam. Não te assustes. Não há nada de mais lá. Pode ser um quarto de guardar entulhos, suas roupas de recem-nascido. Ou deusas ancestrais. Quem sabe todos os seus mortos não estão lá, tomando um chá?

Então saia, vá para rua assistir os ônibus que não param para você. Esconda-se nos cinemas, dentro de copos transbordantes, no sexo rápido e nas músicas tristes. Fuja, esconda-se sob o lençol de estranhos, nas piadas forçadas, nos discursos acadêmicos. Depois sinta saudades de casa.


Corra, chore, bata na mancha e grite: 31, ninguém. Pronto, estará são e salvo. Mas não poderá evitar de ser o pegue na próxima rodada. É o preço que se paga por brincar sozinho de esconde-esconde. Abra a porta, deite na cama e encare o teto. Passe o domingo vendo sua pedra crescer. Quem sabe um dia você consiga esconder-se sob ela.


Enquanto isso, com o braço colado na parede, eu fecho os olhos e não choro. Conto até o infinito esperando que no final você possa finalmente dizer: "31, salve todos".