sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Antes

Tua matéria escura, negada
Meu mergulho sempre raso
mãos se encontram. Acidental.
Um segundo, a esperança suspensa. Água-viva.
Se esvazia, linda. dolorosa.

Nesse jogo de adivinhar você sempre erra o paradeiro da minha vontade.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

La maison de mon rêve

Do antes eu não me lembro. Só sei que eu corria e chovia muito. Sem sentido.
Então eu cai de uma forma impossível numa escadaria de degraus largos e você me abraçou pela costas, de joelhos. Puxou minha cabeça para trás. Seus olhos e os meus, mas eu não os reconhecia. Esticou o corpo para que sua boca alcançasse a minha, colando o pescoço no meu nariz pequeno. Foi aí que eu lembrei de você, que só me toca assim enquanto durmo. Depois me disse alguma coisa que eu não consegui ouvir, pois só prestava atenção na água que pingava do seus cabelos e escorria no meu rosto como pequenas lágrimas. Provavelmente minhas, já que no sonho tudo sou eu.
E você sorria esperando qualquer resposta. Eu? Eu queria guardar tudo, mapear seus traços, buscá-los quando estivesse novamente em vigília.

Te perco de vista. Meu joelho sangra e me dilui na água num suspiro vermelho escuro.


quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Apócrifos, das cartas não enviadas: O irmão bastardo de Ismael

Eu não sei exatamente se foi nesse dia que eu passei a ter medo de você ou se, pela primeira vez, entendi a dimensão do que você sentia.Talvez eu apenas não lembre. Tudo que sei é que o caminho de volta para casa estava assustadoramente estranho, como só consegue ser aos domingos. E só em alguns.

Não conseguia entender porquê eu.

Não conseguia entender porque precisava ser assim, tão dolorido, tão cheio de símbolos e metáforas que, de fato, nunca nos levariam a lugar algum. Se você traçava o mapa que te levaria até a minha casa, eu nunca estava lá. Se nos cruzávamos na esquina e você me seguisse até o portão, jamais te deixava entrar. Se, por um acaso, colocaste um grande envelope cor de terra em minha caixa de correio, a chuva o molhou e eu não consegui ler o que você tentou me dizer de tantas outras formas.

A verdade é que só quando outros falaram por você é que eu entendi que o que você queria me dizer não era tão difícil assim de ser compreendido. Não se eu estivesse disposta.


Quinze minutos para a pior hora da semana. Quinze minutos para a tarde do domingo se tingir de tons doloridos e tocarem os sinos da igreja chamando as pessoas para a última missa da semana. Ou a primeira. É o que mais dói no domingo: suas máscaras milenares nunca nos deixam saber se ele é o fim ou mais um início.

Antes fosse fim mas você já me esperava em frente ao portão para ouvir "não" mais uma vez. E ouviu. Encostou-se no muro como se quisesse colar os pulmões nas pedras geladas.


- Vai chover.

- É, eu sei. Por isso tenho que entrar, tá certo? Tenho muita coisa pra estudar e ainda quero assistir esse filme que aluguei.

- Mas não precisa chover para você entrar.

- E não precisa chover para você insistir em entrar comigo.


Aí você se calava, resignado. Como um cão que recebe um não. E falando nisso, te vi semana passada. Vagando por aí como um vira-lata sem rumo. Não sabia mesmo aonde queria chegar. E não me reconheceu.

Foi aí que, finalmente, eu abri a porta e disse: Seja bem vindo de volta.