sexta-feira, 5 de maio de 2006

Retrosexo

Menos cinco horas. O pincel apagava as linhas escuras que formavam na tela um desenho que ela ainda não conhecia. Menos três cigarros. Abriu a janela. A gotas de chuva pareciam fazer o caminho inverso.53 segundo voaram no leve tocar das palavras e com mais 7 deles poderia ter mudado a direção dos fatos. Mas não!
Fazia tempo que as palavras não reinavam mais naquele vale: Já não se mudava mais o mundo com letras.
Menos dois cafés. Nessa altura já havia desistido dos pinceis: usava os dedos para apagar o retrato desbotado de um futuro. As formigas subiam em suas pernas, invadiam seu sexo, sua boca, suas narinas. Dormência desconhecida. Menos 20 gramas de pó. Juntava agora todos os cacos de vidro espalhados pelo chão formando um copo. (porque, meu Deus, porque? O absurdo tantas vezes assistido insistia em se repetir. Os ponteiros insistiam em andar no sentido horário. A chuva insistia em molhar os telhados.)Menos três horas. Ela rasgou todas as cartas, pisou em flores, riscou as paredes.Menos quinze minutos.Ela fechara a porta e fitava aqueles olhos antigos prestes a lhe dizer a verdade.

Um comentário:

Fischer disse...

Se você não tivesse dito 'ela' duas vezes no final, seria impossível descobrir o sexo do protagonista