segunda-feira, 7 de julho de 2008

3:33

I.



O silêncio estendia suas garras, arranhava a pouca mobília, deformava-lhe, dava-lhe formas diversas. Poderiam ouvir os sons, o estalar da madeira da mesa, o tilintar das louças, eternamente estendidas no escorredor de pratos, já que o novo apartamento ainda não possuía armários. Poderiam ouvir os passos cansados assombrando o corredor, o arrastar de uma cadeira vazia, o barulho das chaves girando em eternas voltas na fechadura da porta que não se abria. Poderiam ouvir o zumbido de uma motocicleta rasgar a imobilidade da madrugada. Um galo adiantado profetizando uma manhã que nunca chegava. Poderiam. Mas não estavam lá. Nenhum deles.

Chegara cansado do plantão. Aquela semana pareceu um século. Contudo, a dor nas pernas e as olheiras não conseguiam esconder a ansiedade que se apropriara dele desde que tomara a decisão. Precisaria de coragem. Talvez precisasse de vinho mais que de coragem. Não ligaria a TV, não ouviria música, não telefonaria para casa. Era preciso estar concentrado. Era preciso evitar qualquer possibilidade de distração, qualquer possibilidade de desistência.

Sábado, 28 de junho. O ponteiro das horas não se movia do três. “Feliz aniversário”, pensou. Abriu as portas da varanda. As luzes do Recife pareciam milhares velinhas perfurando um bolo escuro. “Feliz aniversário”, gritou ele. A resposta não demoraria a chegar.
Caminhou até o quarto com as pernas trêmulas. Encostou a cama na parede, deixando livre o centro. Desligou o celular, tirou o fone do gancho. Deu duas voltas seguras na fechadura da porta do quarto e escondeu a chave num canto impossível de encontrá-la no escuro. Fechou a janela e apagou a luz.

11 comentários:

Ramon de Alencar disse...

...
-Isso me lembrou muito uma pessoa, há muito esquecida, numa cidade esquecida, num apartamento esquecido, e aciam de tudo, uma lembrança de esquecimento...

Thalita Castello Branco Fontenele disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mayara Carol Araujo disse...

é tão bom saber que quando quero ler contos, vou, na verdade, reler amigos... sente isso?

Bom demais voltar a flanar por blogs. Gostei do conto e também espero uma segunda parte, se ela existir!

Blog de contos reformado, agora volto a caminhar mais por aqui.
Bjos.

Amanda disse...

mais a vontade aqui:
http://www.fotolog.com/surprise_ice

Anônimo disse...

tb rodo as chaves de casa na fechadura que insiste em emperrar. quando os dedos machucam e impacientemente olho pro corredor branco, enxergando as arvores do cefet,finalmente a porta se abre.

Pedro Nakasu disse...

Interessante o que escreveste sobre o silencio, a ausência é base para nossa mente imaginar infinitos. O que me é mais difícil é comungar com esse silêncio, esse vazio.

N.Lym disse...

Cadê o restoooooo??????? o.O""

=********

=]

abdul disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
henrique disse...

e então o silêncio invadiu-o, penetrou seus rins, perfurou seus pulmões e manchou seus olhos

E então pôde dizer pra si mesmo, rasgando essa mortalha de palavras em branco:
isto, pois, é a paz (?)

henrique disse...

some e depois volta com um desse, hein?
parabéns, lara.

L. disse...

é, some e depois volta com um desses. mata qualquer um, lara.. qualquerum.