quinta-feira, 24 de julho de 2008

Two way monologue

- Pois antes de tudo vem a vontade, cara. Vontade é uma coisa importante, apesar de não parecer.

E mesmo que ela me dissesse isso com firmeza eu não conseguia acreditar que ela estava concentrada em mim. O resto do mundo parecia não existir enquanto ela cortava as unhas dos pés.

- Acho que tudo isso é só preguiça sua de virar um homem de verdade. Me passe aí a acetona.

Como me irritava que ela não ouvisse. É que suas respostas nunca eram pensadas para me ajudar, mas para mostrar como ela era inteligente e muito mais madura, apesar de dois anos mais nova que eu. Glória era o tipo de mulher que nunca reconhecia um erro: era o mundo inteiro que conspirava contra ela.

- Não é tão simples assim não, Glorinha. Você sabe que eu estou cansado de estar há tanto tempo vivendo nesse pesadelo. Você sabe que eu quero sair disso. Sabe mais do que ninguém.

- Eu sei, eu sei. Mas é preciso ser paciente, Alberto. Paciência é a maior virtude que um homem pode possuir.

Às vezes eu chegava a pensar que ela tinha escondido em algum canto daquela cabecinha despenteada um livro chamado: 100 frases prontas para os problemas de Alberto. Era incrível como Gloria sempre conseguia encaixar as mesmas frases em contextos totalmente diferentes.


- Alem do mais você não se cuida. Desde quando você não vai à academia? Acho um absurdo gastar um monte de dinheiro com mensalidade para ir um ou dois dias. Sem falar nessa sua péssima mania de comer na frente da TV. Você sabia que, eu li numa revista, Comer na frente da TV reduz a sensação de saciedade em 30%? É por isso que você tem sempre que encher o prato duas vezes.

- E o que é que isso tem a ver com esse vazio no meu peito, Glória, me diz! É incrível como você sempre acha uma brecha para me criticar quando eu estou é precisando de sua ajuda!

- Me surpreende é que um homem tão culto como você, esse grande entendedor da literatura universal e desses filmes sem pé nem cabeça, não consiga aprumar a própria vida.

Dizia isso enquanto lixava as unhas. E o fazia com uma concentração de quem faz cálculos de matemática. Eu gostava daquele jeito que ela tinha de espremer os olhinhos, enchendo os cantos de pequenas rugas.

- Mais surpreendente ainda é um homem como eu continuar insistindo em conversar com uma pessoa como você: Cabeça dura. Você não absorve nada do que eu digo, Maria da Glória, nadinha!

- Ah, preguiça de você, Alberto. Me diz: Rebu ou Gabriela?

E essa foi a primeira vez que ela olhou pra mim durante todo aquele tempo. Tinha olhos infantis e a cabeça pendia um pouco para o lado enquanto ela segurava um vidro de esmalte em cada mão. Pensei em ser grosseiro e perguntar porque ela não escolhia sozinha já que ela era uma mulher tão segura e decidida. Mas tinha algo de mim naquela Glória, alguém que eu era há alguns anos atrás. Alguém que eu não queria perder de vista e por isso insistia tanto em reencontrá-lo nesses monólogos dela. Mais meus do que dela. Além do mais, eu já sabia: ela justificaria a sua indecisão pondo toda a culpa em seu ascendente em libra e sua lua em virgem. O que aquela menina ainda não sabia era que seu sol era em Alberto.

- Esse mais aberto, respondi, afagando-lhe a cabeça.

6 comentários:

Mayara Carol Araujo disse...

sabe o que eu gosto em tu escrevendo? É essa coisa de uma escrita leve, simples, mas sem ser vulgar nem clichê. Detesto o povo q escreve simples demais e vira vulgar, sei lá... Pode parecer sem noção o q vo dizer agora, mas lembra sabe quem? O Gabriel Garcia. É simples que assusta, mas tem umas boas imagens.

N.Lym disse...

Concordo com Mayá.

Acho que tenho um pouco de cada personagem. Mas mais um pouco de Glória.=~

Thalita Castello Branco Fontenele disse...

Sabe de uma coisa? O vermelho explica tudo, sobretudo por ter sido o tal do mais aberto.

Gostei muito desse texto.

L. disse...

Eu lembrei dos filmes de Bergman...
eu vi praticamente um roteiro inteiro na minha frente. É lindo, como você.

breno disse...

quando eu li, pensei:
falta Glória no Alberto.

henrique disse...

mayá tirou as palavras da minha boca